domingo, 24 de fevereiro de 2008

New Journalism: Produção de perfil e vivência

Por: Cecília de Paiva

Conceituação teórica

Na discussão sobre o papel da mídia, o criador do “Observatório da Imprensa”, jornalista Alberto Dines enfatiza que jornalismo se faz nas páginas de esportes, nas páginas de política, de cultura e nos veículos empresariais, que “existe o jornalismo, com suas regras fixas e definidas, que se pratica em vários ambientes, em vários tipos de veículos.” (DINES; NASSAR; KUNSCH(orgs.), 1990, p.67)
Nesse feitio conta a individualidade textual mesmo que muitos alterem um ou outro dado, com profissionais que podem estar em instituições ou desvinculados aos meios tradicionais. Atuantes da responsabilidade ética e prestadores de serviços por procurarem emitir informações que despertem o interesse crítico, além de serem preocupados com a atual realidade onde “o sólido se evapora” e, por isso buscam contribuir no processo de formação de identidades (CANCLINI, 2006, pp. 65, 131,136).
Diante dessa missão idealizadora de informar para formar, há de se considerar que a divulgação feita por um meio ou por um profissional da área da comunicação, subentende a credibilidade popular.
Segundo prega a Escola de Frankfurt, “a produção da cultura é realizada em função dos meios” conforme recorda Adelmo GENRO FILHO (1997, p.97). Pela razão de, podermos vivenciar uma amplitude de mercados, de mudanças sociais, de não-delimitação física, com uma vizinhança fechada em si mesmos, é preciso utilizar a mídia como canal de mediação. A forma textual deve ter uma composição em conformidade ao canal em que será transmitida.
A mídia é como um mercado, um cartaz referencial para a divulgação do que se produz singularmente para que o restante do mesmo social, possa conferir, comentar, adquirir, aprender ou refutar. Claro que há conseqüências de padronização e homogeneização... (GENRO FILHO, 1987, p.97)
Para tanto, entender qual a linha da produção da notícia que será adotada deve ter planejamento posterior do jornalista, o qual pode seguir formatos anteriormente estudados e fundamentados, como por exemplo, a respeito do que expõe Antonio HOHLFELDT (2002, p. 203/204) ao esclarecer sobre newsmaking como sendo os fazedores de notícia ou da criação da notícia. O autor defende os procedimentos em torno dos processos de gatekeeping ou da filtragem da informação, verificados por Kurt Lewin em 1947. (Cfr.HOHLFELDT, 2002; BARROS FILHO, 1995; WOLF,1999)
Do conhecimento, pode-se dar o toque da criatividade, da pessoalidade textual. Deriva do tratamento jornalístico, baseado em técnicas e teorias fundamentadas, a condução de um formato de produção noticiosa contributiva para informar. A informação será narrada pela filtragem do profissional e nela está intrínseca o como produzir o material noticioso.
Essa responsabilidade exige que técnicas e hipóteses existentes favoreçam o modo de produzir utilizando recursos literários sem deixar de ser emissor de uma mensagem objetiva.
A forma de narrar faz com que a produção final possa ser utilizada e com maior probabilidade de ser veiculada pelos meios de comunicação de massa. A leitura atrativa mesclada com a informativa faz a prestação de serviço que o jornalismo reclama ser. A interpretação das manifestações contemporâneas pode ser concebida com responsabilidade e atenção no que e para quem se emite a informação.
Ricardo Kotscho demonstra o fascínio em “descobrir e contar para todo mundo aquilo que se está querendo esconder da opinião pública” (KOTSCHO, 2001, p.34). “A Prática da Reportagem”, obra que consegue repassar intensa e extensa experiência jornalística, afirma a possibilidade de se poder produzir um bom perfil em apenas algumas horas se preciso for, ou pode levar mais de um mês para ser concluído, como acontecia na revista Realidade. (KOTSCHO, 2001, pp.42-43)
Claro que não se devem forjar ferramentas de pura atração a ponto de deixar a objetividade tão floreada que a leve para a historia da dúvida, como nas reportagens romanescas do jornalista David Nasser, admirável pela sua narrativa, mas pendente à informação tal qual “histórias de trancoso”, que são narrativas cuja imaginação superam a veracidade dos fatos. (CARVALHO, 2001)
Existem produções em que se comprova o trabalho de “tecelagem jornalística” de autores com boa retórica, beleza descritiva e cuidados com a “realidade subjetiva”, posto lidarem com as realidades contadas por lados diferentes, a exemplo de Caco Barcellos nos livros reportagens “Rota 66” e “Abusado” produzidos pelo jornalismo de campo. O autor reúne agradável leitura, traz a tensão e consegue angariar empatia na leitura por trazer imediata visualização do que se lê.
Sergio Vilas Boas ao falar sobre biografias e biógrafos esclarece o ato de bem desenvolver uma pesquisa que contemple diálogos depende das observações e levantamentos minuciosos para se trabalhar com experiências pessoais. (VILAS BOAS, 2002, 78)
Para Edvaldo Pereira Lima, (LIMA, 1998, p.8), o prazer obtido na leitura pode desaparecer se há necessidade de o leitor esforçar-se ou ter uma exigência intelectual mínima, afirmando que, para cada leitura existe um ponto ideal no qual, para uma leitura fora desse ponto, torna-se desinteressante. (LIMA, 1998, p.108)
O autor cita Euclides da Cunha como um dos precursores dessa mescla de narrativa literária com jornalismo investigativo e a completude de “Os Sertões”. Nessa obra, o autor inclui-se junto com o leitor quando, em muitas ocasiões, utiliza a pessoa “nós”, numa participação simultânea, dando contemporaneidade ao ato da escrita com a leitura. Ao fato histórico, observa-se o corte da história, o que ocorreu em determinado lugar e, desse corte, o autor contextualiza sua narrativa com outras informações, vislumbrando o universo contido no livro. Descritiva para a terra, o povo, o contexto político e, ápice de toda a obra, há o descrever do nordestino, consagrando o livro em clássico literário, com um traquejo descritivo único, a exemplo da caracterização do homem sertanejo, incluindo a aparência física para opor-se à fortaleza psicológica, comparada ao “raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.” (CUNHA, 1992, p.91)
A produção textual depende de muitos fatores, mas a leitura, o entendimento teórico e pesquisa investigativa sobre o tema, com a vivência autoral junto ao objeto da informação são elementos primordiais para um bom texto narrativo.
Nas experiências ao longo da historia, comprova-se que há feitio jornalístico de sentido universal, no qual, em qualquer lugar, a ética e o formato de objetividade, parcialidade, etc., devem direcionar o jornalismo, o qual tem suas teorias e hipóteses para a atuação profissional nas redações, ou em ambientes personalidades, inclusive especificações exclusivas para o feitio do jornalismo literário.
O que difere são as experiências pessoais, nuances e certas diferenciações, inclusive o próprio ambiente não-redacional, com profissionais de jornalismos fazendo a mediação direta e indireta da informação para a sociedade, produzindo uma linguagem diferencial, emotiva, expressiva, enfim, agradável “aos ouvidos” do leitor.
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Referências
ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. Editora Paz e terra, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2004.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: As técnicas do jornalismo. São Paulo, Ática, 4ª edição, 1990.
BARCELLOS, Caco. Abusado: O Dono do Morro Dona Marta. Editora Record, 7 ª edição, Rio de Janeiro, 2003.
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da Informação ao Receptor. São Paulo, Moderna, 1995.
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro, UFRJ, 6ª edição, 2006.
CARVALHO, Luiz Marklouf. Cobras criadas. São Paulo, Editora Senac, 2001.
CUNHA, Euclides. Os Sertões. Rio de Janeiro, Ediouro, 1992.
DINES, Alberto; NASSAR, Paulo; KUNSCH, Waldemar Luiz (orgs.). Estado, mercado e interesse público: A comunicação e os discursos organizacionais. Brasília, Banco do Brasil, 1990.
ERBOLATO, Mário. Deontologia da Comunicação Social. Vozes, Petrópolis, 1982.
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide. Porto Alegre, Tchê, 1987.
HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C; FRANÇA, Vera Veiga(orgs.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis/RJ, Vozes, 2ª edição, 2002.
KOTSCHO, Ricardo. A Prática da Reportagem. Editora Ática, 4ª edição, São Paulo, 2001.
LIMA, Edvaldo Pereira. O que é Livro-Reportagem. Editora Brasiliense, São Paulo, 1998.
______. Páginas Ampliadas. Campinas, Unicamp, 1995.
LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Pesquisa em comunicação, formulação de um modelo metodológico. Edições Loyola, 2ª edição, São Paulo Brasil, 1994.
MATTELLART, Armand e Michele. História das teorias da Comunicação. Edições Loyola, São Paulo, 1999.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: Porque as notícias são como são. Insular, 2ª edição, 2005.
VILAS BOAS, Sergio. Biografias e biógrafos, jornalismo sobre personagens. São Paulo, Summus, 2002.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação: Mass media: Contextos e paradigmas, novas tendências, efeitos a longo prazo, o newsmaking. Editorial Presença, 5ª edição, Lisboa, 1999.

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