quinta-feira, 18 de março de 2010

Flanelada

Confesso. Tive uma crise, um momento de Orlando Furioso. Mas, olha, vou te contar pra relaxar da dissertação.

Estacionei a duas quadras da casa de espetáculos. Noite escura, cheia de sombras definidas e indefinidas. Antes de desligar o motor, percebi uma pessoa caminhando em minha direção. A dedução foi rápida sobre o que se tratava. Imediatamente tentei evitar o confronto. Porque haveria um. Engatei a marcha a ré, mas a pessoa apertou o passo e nao teve jeito:


- Posso cuidar do carro? - Perguntou de súbito e no mesmo tom tive que responder:
- Ele já está cuidado. Paguei o licenciamento em janeiro. Fevereiro e março vem emplacamento, e até junho fico com o imposto da calçada e da rua que piso. Cuido pra não ter multas, e fico sem tirar as duas mãos do volante, sem desviar a atenção do que vejo ou ouço.
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Bate-boca infeliz! Em dois tempos percebi o absurdo da cena, e respondi diferente. O duro é tirar o sentido do que se quer realmente falar porque se sabe o que vem depois. É o fim do sossego. Acaba a concentração e a animação. Não há show ou atração que ajude. A vontade é ir, mas logo voltar e dizer: - Voltei antes pra também cuidar do carro e do flanelinha. Ou então: - Hoje é teu dia de sorte, tenho moedinha! - Aí entrega faceira uma moeda de cinco ou dez centavos e espera mais faceira ainda a reação. O duro depois é ver a moedinha rolando asfalto afora jogada na tua cara! Mas já relaxava! Quem poderia dizer que não entreguei o troco.

Aliás esse nome flanelinha nao corresponde. Poderiam lustrar pelo menos a parte das manchas que deixam ao se encostarem nos carros. Bah, é duro ver tanto disparate social, mas pior ainda é achar normal o aproveitamento e as ilegalidades por conta disso.