terça-feira, 25 de maio de 2010

Dia de jacaré

Em um dia de campo, pleno domingo, estava a passeio com parentes e amigos admirando a paisagem. Enquanto caminhava me deparei com um lago perfeito... tão calmo:
- Parece ótimo dar um mergulhinho e relaxar. Disse e já fui entrando borda a dentro.
- Ei.. você não sabe desse lago? Nem um Indiana Jones sobrevive. Não passa do primeiro minuto aí dentro. Não entre aí - gritou alguém.
Já era. E logo no primeiro submergir eu vi o que significava o alerta: jacarés.
Era um lago recheado deles, todos muito grandes e com a boca maior ainda, vinham deslizando rapidamente na minha direção. Na primeira coisa que encontrei subi em cima e comecei a correr. Digo nadar... ou era remar?
No primeiro momento não compreendi se era uma prancha ou um daqueles caiaques, ou algo parecido, só sei que tinha que me movimentar antes que fosse abocanhada. Olhava pra um, desviava, já havia outro me encarando. Eram mais de três ao mesmo tempo e, enquanto manobrava para desviar, lá estavam mais quatro a minha frente.
Quando vi que eram dois de boca aberta e um outro dando meia volta para me encarar melhor, em um segundo me vi segurando o rabo desse que me dera as costas. Era a arma que precisava. Não sei que forças tive, mas, segurando firme a ponta do rabo do jacaré desavisado, fui batendo nas outras cabeças que pensavam que eu ia ser o petisco do dia. De desviada em desviada até conseguir sair do lago sem descer da prancha, que agora estava nítida e me ajudava a deslisar e a bater sem parar no que via de boca aberta à minha frente.
Foi tão rápida a saída quanto fora a minha entrada.
Na superfície, todos olharam para mim sem entender muito o que se passara, e os que haviam testemunhado aquilo, sem reagir diante de tanta manobra que eu devia ter feito, muito mais do que a de um filme de aventuras do senhor Jones.
- Não minha gente, isso não merece elogio, porque fui precipitada ao entrar em um lago quieto demais e que, com tanta gente por perto, devia antes ter perguntado porque estava sem ninguém dentro. - Mas isso falei bem baixo e já saí dali para diminuir a tensão e o susto que havia quebrado a calmaria do dia.

Rapidamente me troquei e mais apressada, segui rumo ao aeroporto. Tinha um vôo marcado para dali a meia hora... Sem táxi por perto, entrei no primeiro ônibus que encontrei. Agora só restavam quinze minutos... Mas era tempo suficiente para correr escadaria abaixo e acima, mas por certo chegaria!

Acordei!
Ontem não assisti a nenhum filme de aventura, só estou fazendo anotações para a dissertação...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Ciclovia

...antes de falar em construir ciclovias, falta considerar o ciclista como um cidadão.
Hoje um carro do tipo sedan passou rente ao meio-fio por onde eu estava e fui empurrada na marra para fora do percurso em que prosseguia, como uma matéria insignificante e sem direitos.
Foi uma batida leve e sem barulho pelo menos para a motorista - ainda deu para perceber que era uma distinta senhora em seu carro último tipo. Bateu o espelho retrovisor no meu corpo - causou em mim um susto desagradável - contudo, a motorista prosseguiu sem nenhuma reação, parecendo nem perceber a dobrada do espelho retrovisor do lado do carona, deixando menos uma possibilidade de visão da triste cidadã.

Imaginei os trabalhadores que usam esse tipo de transporte todos os dias em Bauru, obrigados a cumprirem horários, e a chegar nos seus locais de trabalho para as suas tarefas. Observei vários deles - pois era hora do "rush" - fazendo malarismos e solidários com a minha "empurrada" e reprovando a dita cuja que prosseguiu em seu "carrão".
O que podíamos fazer? É igual ao caso da mulher que foi assaltada dentro da delegacia, lutou com os assaltandos e o delegado ficou olhando, pensando que era briga de marido e mulher: será que ainda podemos pelo menos RECLAMAR PRO BISPO? como a mulher falou na entrevista?

Falta participação pública, reclamação continuada, mexer com os colhões do poder para que sejam cumpridos os direitos básicos de cidadania, com políticas sérias, fortalecidas e compreensíveis por todos.

Ciclista não é considerado cidadão pelo poder público nem por pessoas que usam outros tipos de transportes que, se podem, passam por cima. Falta solidariedade entre aqueles que, sendo também usuários do trânsito, poderiam somar forças para que as intervenções públicas contribuam para o cumprimento de direitos e promoção de melhorias na sociedade.

Falta a ciclovia do respeito pelo outro.

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domingo, 16 de maio de 2010

texto bom de ler

reflexão é bom e eu gosto!!..

---------------------------------------------------------------------------Olho quem me olha
Frei Betto

Imagine uma prisão redonda como o estádio do Maracanã. Há vários andares de celas. Nenhuma possui porta, de modo que um único carcereiro, situado na guarita no centro da construção circular, controla sozinho o movimento de centenas de prisioneiros.

Este o modelo panótico de Bentham, descrito por Michel Foucault em Vigiar e Punir. Muitas penitenciárias o adotaram. Tive oportunidade de visitar uma delas, na Ilha da Juventude, em Cuba, construída antes de Revolução e, hoje, desativada.

Vivemos agora numa sociedade panótica. Em qualquer lugar que nos encontramos, um olho nos vê. Somos vistos; quase nunca vemos quem nos vê. Não me refiro apenas às câmeras discretas ou ocultas em ruas e prédios, elevadores e lojas. O mais poderoso olho é a TV, exatamente esse aparelho que julgamos decidir quando e o que veremos.

Ligamos a TV motivados por seu olho invisível; ele suscita em nós essa atitude. Antes de a emissora colocar no ar uma peça publicitária ou um programa, vários testes são realizados, de modo a assegurar ao anunciante ou patrocinador o êxito de audiência. Conhece-se o olhar alheio através de exaustivas pesquisas de opinião.

Isso influi inclusive na (des)qualidade da arte. Agora, o artista não cria a partir de sua subjetividade e imaginação. Antes, procura satisfazer o olhar do público. Ele se olha pelo olho do consumidor de sua obra. Sua fonte de inspiração não reside na ousadia de romper e ultrapassar a linguagem estética que o precede, de expressar os anjos e demônios que lhe povoam a alma, e sim na vontade de agradar o público, criar um mercado de consumo para a sua obra, ainda que à custa de banalizar o próprio talento. O olho promissor do mercado configura seu olhar no ato criativo.

Todo esse processo foi expressivamente tratado em obras como 1984, de George Orwell (1949), e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1953), filmado em 1966 por François Truffaut. O fenômeno atual mais expressivo é o Big Brother, que promove arrebanhamento dos telespectadores, faz todos se sentirem irmãos, igualizados pela imbecilidade voyeurista de observar o ritual canibalizador que ocorre no interior da casa.

Induzidos por esse sentimento egogregário, perdemos a singularidade. O olho do Grande Irmão nos olha peremptoriamente e nos exige um comportamento de rebanho humano.

Outrora havia uma economia de bens materiais institucionalmente separada de uma economia de bens espirituais. Desses últimos cuidavam padres e pastores, intelectuais e professores, artistas e escritores.

Agora, a indústria de entretenimento se encarrega da produção de bens espirituais, integrando-nos na família televisual. O avatar nos chega pela janela eletrônica. Os novos bens espirituais já não imprimem sentido altruísta às nossas vidas, e sim motivações egóticas de acesso ao mercado de produtos supérfluos, fama, beleza e riqueza. Somos impelidos a consumir, não a refletir. Sempre mais acríticos, nos tornamos ventríloquos manipulados pela ideologia midiática que repudia a solidariedade e exalta a competitividade.

Em A doce vida, filme de Fellini, a última cena mostra o fim da noite boêmia de gente da alta burguesia. Caminham todos, tropegamente, por um bosque em direção ao mar. Ao chegar à praia, a ébria alegria se choca com o imenso olho inerte de um monstro marinho (uma imensa água-viva) que os pescadores arrastam rumo à areia.

O olho olha aquela gente e gera angústia e medo, como se a despisse de sua falsa alegria e a interpelasse no fundo da alma.

É este olho crítico que tanto tememos. E quando ele emerge, os oráculos do sistema neoliberal tratam de tentar cegá-lo e afundá-lo. Ele ameaça porque funciona como espelho no qual o nosso olhar reverbera e olha a mediocridade na qual estamos atolados, movidos como rebanho pelo Grande Imã – o entretenimento televisivo centrado do estímulo ao consumismo.



- Frei Betto é escritor, autor de “Maricota e o mundo das letras”, lançamento infanto-juvenil da editora Mercuryo Jovem.
Copyright 2010 – FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

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Estou falando mais do mesmo...
Começo um algo, termino um outro...
Teimo menos, faço mais...
Corro devagar, descanso acelerado, volto para a escrita,
Aposto sem medo, aumento minha calma.
Parei tudo e me sinto vazia. Retomo tão logo parei.
vou escrever sobre tudo, adequar a linguagem, depois escrevo para mim..

terça-feira, 11 de maio de 2010

Desceleção*

A chacina ontem, em São Paulo, de mais de cinco moradores de rua - falando politicamente correto - não tirou o brilho da convocação dos jogadores para a copa 2010. Restou um sobrevivente que deixou, por pouco, de ser mais uma vítima, não tivesse fugido a tempo.

Três homens armados desceram de suas motos e, sem retirar os capacetes, atiraram.

Sem identificação dos assassinos, sem identificação dos assassinados.

Os jornais identificam como 'moradores de rua', 'os homens assassinados', 'as pessoas assassinadas'. Não apuraram a notícia, nao motivaram identificação, não se preocuparam em acompanhar o desenrolar das investigações. Triste fim de Policarpo Quaresma?

Agora me digam - quem são os convocados para a Copa 2010? - coletivas, debates, programas de rádio, de tevê, enquetes, debates e comunidades manifestam-se na Internet, e por aí vai. Quem se manteve em luto ou se preocupou com as famílias desses 'homens' selecionados para morrer? Será que eram somente homens e ainda jovens, já que vemos mulheres, jovens,velhos e crianças nessas condições?

Claro que um acontecimento não suplanta o outro - nem estou falando em analogia. Mas não prescinde a indiferença, a falta de solidariedade e a despreocupação de pelo menos daquele que noticia um caso desses. Foi noticiado nada mais do que um simples acontecimento da madrugada.

Pior que não é de hoje. De acordo com o jornal A Tarde, ocorreram na Bahia duas chacinas antes de completar o primeiro mês de 2010, sendo uma, com um jovem de 25 e outro de 27 anos. E há muito mais até chegarmos à inesquecível Chacina da Candelária.

Mas é dia de convocação, de seleção... A copa vem aí. Uns ficaram de fora e muitos outros entristecidos, e o povo em debate, reclamando da seleção do Dunga, que os convocados não foram uma boa escolha. Aos escolhidos, parabéns em fazer parte da seleção de convocados em meio a outros tipos de seleção de brasileiros, como aqueles que esperam pelo menos não ser o alvo do dia. Que só esperam encontrar um abrigo menos gelado, um teto menos úmido, que nem pensam em ser torcida, muito menos se terão diante de si, um aparelho de tevê para ver mais esse espetáculo verde amarelo. Linda pátria e lindas cores que disfarçam uma triste indiferença.//

*trocadilho: descida de seleção, dos sem seleção.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Minúcias éticas

As pequenas atitudes ilustram muito bem a ética que precisamos - são como pontos luminosos que, unidos uns aos outros, formam o caráter de uma pessoa, ou de uma sociedade, sendo possível fazer uma comparação com o firmamento. Há noites com tantas estrelas que seriam como as pequenas atitudes; no meio do firmamento uma bela lua, representando um grande projeto que ilumina toda a vida. Por vezes, nesse firmamento, sobrecai uma imensa escuridão como as destoantes atitudes antiéticas.

O motivo dessa metáfora surgiu outro dia quando conversava em um grupo de amigos sobre as pequenas coisas que nem precisávamos dar tanta importância, em um dia em que estamos propensos a muitas minúcias. Há dias em que nos levantamos e cuidamos de como usar desde a pasta de dente à dobradura da colcha sobre a cama; de limpar os farelos ou respingos de gomo de laranja sobre a pia; e cuidar dos salpicos de lama que insistem em permanecer no carro branco que teimamos em mantê-lo limpo. Dessas minúcias, partimos para assuntos sobre as campanhas antifome, do comprometimento social e político que devemos ter, das afetações da alma e do corpo e dos questionamentos éticos da vida.

Fui me calando e ouvindo as defesas de cada um, quando me veio à memória a imagem do firmamento que, ao longe vemos pequenos pontos luminosos mas são grandiosos planetas e outros universos. Os procedimentos éticos são assim - pequenas ações e atitudes que representam uma grandiosidade imensa diante da sociedade. É como quando se diz “o que seria dos grandes homens, não fossem os pequenos” e ainda, “são as pequenas atitudes que se constróem as grandes idéias”.

Diria até que, sem as preocupações mínimas do dia-a-dia, não teria como resolver os grandes problemas que surgem. É o preparo do espírito lutador.
A prática da ética não é feita quando lembramos de cumprir o seu manual. Os elementos de formação do caráter pela educação, seja familiar, escolar e pela vida afora, vivenciam a ética durante cada piscar de olhos de um cidadão.

Falar de ética é fácil - difícil é lembrar a constância dela em todas as nossas ações.

domingo, 9 de maio de 2010

Não é sobre filas!

Ahh! Os brasileiros e suas filas! Estão firmes e se formam desde cedo, logo na compra do pão, adentram madrugada afora nas vagas para uma consulta! Mas reclamar para quem? Dizem que é cultural. Neste país dito globalizado muitos discursam a inexistência de patrões, com incentivo para abrir o próprio negócio! Era a independência, filas nunca mais! Houve uma época que falar de qualidade total virou coqueluche do momento pelos gurus da nova ordem mundial econômica. Balela! Existem mais chefes que subordinados! Muitos mandam, poucos sabem a quem obedecer! Na verdade, existe competência só nas revistas corporativistas, a realidade é feita de indicações! Ninguém consegue vaga nem para camelô se alguém não indicar! E se fizer cara feia, a ninguém interessa o que o sujeito passou.

Pacientemente ou não, ficar três horas em uma fila faz a gente refletir um monte de situações! Ficar em fila não é sinônimo de conquistas! Por vezes, nem se consegue fazer uma consulta, nem o emprego pretendido e, no final, é mal atendido até na padaria. Filas são paredões humanos, sofridos e sem direito a reclamação porque ninguém obrigou o segundo ficar atrás do primeiro, depois chegar um terceiro,... E se reclamar, ativa a má-vontade do atendente! Faz cara feia para vê! Reclamou, bateu o punho na mesa, parede, chão ou balcão: Perigo! A pessoa atendente piora a situação do indivíduo ao insuportável. Faz ele desistir, murchar, sofrer ataques, ficar depressivo... Passo a passo, o detrás curioso olha a sua frente! O único movimento geralmente está na troca de pernas daqueles que estão em pé há horas. Ainda agradecem que a fila tem alguma formação coerente, sem aquelas rodinhas, filas duplas, acocoramentos, uns encostados, dobrados, fura-filas e todo tipo de curvas.

Com o passar do tempo, rostos murchos, desiludidos, expressão de cansaço. De vez em quando, se manifestam, zangam-se, desesperam-se e resmungam, porém ninguém os ouve sem serem surdos-mudos, ninguém os enxerga, sem serem cegos. O burburinho bate no paredão humano sem eco, sem retorno e sem vontade.

Sentada na cadeira de uma instituição pública, reflito a modalidade da fila em que me encontro: fichinha numérica na mão, fica-se livre para sentar, ir ao banheiro, distrair no ‘display’ indicativo e torcer para que ele seja menos cruel e dispare logo para chamar o número contido na ficha. Continua sendo um atendimento precário, de ignorados pela sociedade. Certa hora pensei ter ouvido frases revoltadas: – Vamos chamar a imprensa!! Vamos reclamar antes que alguém morra aqui e vire estatística! Quero ver se o prefeito vem pra esta fila! Podia vir procurar algum eleitor dele por aqui! Aí a fila ficou mais animada com tanto diálogo. Pensei em escrever uma carta pública naquela hora, citar os participantes. Mas saí do devaneio, eram diálogos meus, da minha revolta! Quando comecei a observar meus companheiros de infortúnio, percebi que falavam de programas de televisão, das feridas, dos infortúnios, falas sem sentido de grupo. Iam sendo chamados e nem olhavam para trás! Não havia nenhum lendo, nem comentando notícias. Percebi aquela apatia! A fila para todos parecia uma instituição e caso alguma notícia saísse sobre aquele caos que feria de forma silenciosa e pacata, nem entenderiam! A quem incomoda? Fiquei sem defesa tal qual pensei que indefesos eram eles... Somente eu estava incomodada?

Passadas as horas, chamaram-me a um guichê. Com cara de clemência, fui logo explicando a situação (situação esta exigida pela própria instituição onde me encontrava, que não iria mudar a minha, nem a vida do meu vizinho em nada). Depois, com cara de lesada, fiquei vendo e ouvindo carimbadas numa papelada com tudo quanto é tipo de carimbos! Dos miudinhos às pegadas de gigante. Recebi a papelada: um calhamaço com letras miudinhas e ainda ouvi a misericórdia final: retorno daqui a uma semana!