domingo, 9 de maio de 2010

Não é sobre filas!

Ahh! Os brasileiros e suas filas! Estão firmes e se formam desde cedo, logo na compra do pão, adentram madrugada afora nas vagas para uma consulta! Mas reclamar para quem? Dizem que é cultural. Neste país dito globalizado muitos discursam a inexistência de patrões, com incentivo para abrir o próprio negócio! Era a independência, filas nunca mais! Houve uma época que falar de qualidade total virou coqueluche do momento pelos gurus da nova ordem mundial econômica. Balela! Existem mais chefes que subordinados! Muitos mandam, poucos sabem a quem obedecer! Na verdade, existe competência só nas revistas corporativistas, a realidade é feita de indicações! Ninguém consegue vaga nem para camelô se alguém não indicar! E se fizer cara feia, a ninguém interessa o que o sujeito passou.

Pacientemente ou não, ficar três horas em uma fila faz a gente refletir um monte de situações! Ficar em fila não é sinônimo de conquistas! Por vezes, nem se consegue fazer uma consulta, nem o emprego pretendido e, no final, é mal atendido até na padaria. Filas são paredões humanos, sofridos e sem direito a reclamação porque ninguém obrigou o segundo ficar atrás do primeiro, depois chegar um terceiro,... E se reclamar, ativa a má-vontade do atendente! Faz cara feia para vê! Reclamou, bateu o punho na mesa, parede, chão ou balcão: Perigo! A pessoa atendente piora a situação do indivíduo ao insuportável. Faz ele desistir, murchar, sofrer ataques, ficar depressivo... Passo a passo, o detrás curioso olha a sua frente! O único movimento geralmente está na troca de pernas daqueles que estão em pé há horas. Ainda agradecem que a fila tem alguma formação coerente, sem aquelas rodinhas, filas duplas, acocoramentos, uns encostados, dobrados, fura-filas e todo tipo de curvas.

Com o passar do tempo, rostos murchos, desiludidos, expressão de cansaço. De vez em quando, se manifestam, zangam-se, desesperam-se e resmungam, porém ninguém os ouve sem serem surdos-mudos, ninguém os enxerga, sem serem cegos. O burburinho bate no paredão humano sem eco, sem retorno e sem vontade.

Sentada na cadeira de uma instituição pública, reflito a modalidade da fila em que me encontro: fichinha numérica na mão, fica-se livre para sentar, ir ao banheiro, distrair no ‘display’ indicativo e torcer para que ele seja menos cruel e dispare logo para chamar o número contido na ficha. Continua sendo um atendimento precário, de ignorados pela sociedade. Certa hora pensei ter ouvido frases revoltadas: – Vamos chamar a imprensa!! Vamos reclamar antes que alguém morra aqui e vire estatística! Quero ver se o prefeito vem pra esta fila! Podia vir procurar algum eleitor dele por aqui! Aí a fila ficou mais animada com tanto diálogo. Pensei em escrever uma carta pública naquela hora, citar os participantes. Mas saí do devaneio, eram diálogos meus, da minha revolta! Quando comecei a observar meus companheiros de infortúnio, percebi que falavam de programas de televisão, das feridas, dos infortúnios, falas sem sentido de grupo. Iam sendo chamados e nem olhavam para trás! Não havia nenhum lendo, nem comentando notícias. Percebi aquela apatia! A fila para todos parecia uma instituição e caso alguma notícia saísse sobre aquele caos que feria de forma silenciosa e pacata, nem entenderiam! A quem incomoda? Fiquei sem defesa tal qual pensei que indefesos eram eles... Somente eu estava incomodada?

Passadas as horas, chamaram-me a um guichê. Com cara de clemência, fui logo explicando a situação (situação esta exigida pela própria instituição onde me encontrava, que não iria mudar a minha, nem a vida do meu vizinho em nada). Depois, com cara de lesada, fiquei vendo e ouvindo carimbadas numa papelada com tudo quanto é tipo de carimbos! Dos miudinhos às pegadas de gigante. Recebi a papelada: um calhamaço com letras miudinhas e ainda ouvi a misericórdia final: retorno daqui a uma semana!

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