Cecília de Paiva *
Resumo
A base do profissional de imprensa não está na aplicação das teorias estudadas, mas no entendimento de todas elas, de forma que contribuam para que se mova e interaja, sem que se atenha somente à intenção de agir por convencionalismo, mas também por ideologia, onde se consegue acompanhar o que a sociedade precisa e o querer do mercado. Diante dos estudos das teorias propostas por Nelson Traquina, ressaltou entender melhor a proposta do agenda setting, visando observar alguma aplicabilidade ou sua rejeição.
1.Sem tempo para pensar em ser herói
Na produção de uma notícia, apesar da possibilidade de se apurar todas as versões de um fato, muita coisa escapa e nunca o mosaico se completa para a contextualização do ocorrido. Não há como rever o acontecido como se fosse possível atravessar um portal do tempo, assistir o que aconteceu e, como num replay, analisar cena a cena e então, produzir a matéria. Porque nenhum ato humano se repete no tempo, o jornalista tem de coligir critérios de conhecimento e de persistência em um curto período de tempo, sob pena de sua investigação ser uma matéria fria ou de gaveta.
Para que o jornalista possa fazer seu papel de autoria, é imprescindível a fundamentação de seus conhecimentos, atentar-se de todas as possibilidades e das teorias já estudadas, ter como expor seu posicionamento ideológico e de compromisso social, e ainda conseguir atuar com precisão, de forma a ser favorecido pelo seu meio e as circunstâncias em que se encontra, para não correr o risco de ter suas pautas engavetadas. Se possível, produzir para salvar o planeta sem se ater a sintomas de um super-herói ou de um descobridor das Américas.
Em questionamentos sobre o que é o jornalista, Jorge Cláudio Ribeiro diz que a construção da identidade do profissional resulta do entrecruzamento de referências históricas, da identidade da empresa, da subjetividade e da classe social preponderante no grupo de jornalistas. O autor ainda complementa que existem duas dinâmicas, sendo uma, a afirmação de valores próprios e a resistência à imposição de valores externos.
Na formação profissional, com sua amplidão acadêmica e social, as circunstâncias históricas e do presente são como parte de sua própria vida, posto ter que entender a complexidade da sociedade e, inserido em seu tempo, entender o assunto que vai tratar.
Por trazer suas concepções ao produzir seu texto, o jornalista raramente está isento na sua atuação como um filtro. Por essas mesmas concepções, impossível tratar um assunto de forma isenta de ideologias. Tudo depende do contexto em que o profissional está inserido e para o quê, como, por que e aonde vai o material produzido. Há ocasiões em que o ato de escrever pode ter força tão grande que o autor fica como um instrumento narrador e o que ele pensa não inclui nesse arroubo criativo. Isso geralmente acontece quando se conhece tudo o que se relaciona ao tema tratado.
1.1.Produção circunstancial
Das muitas vertentes da produção da informação jornalística, a atuação se faz pelos novos campos que se abrem a cada dia, com a tecnologia e seus meios; outros ainda carregam o chamado romantismo da profissão, em que muito assunto se extrai de informações de pessoas comuns, do dia-a-dia do profissional atento. Do taxista, motorista, das saídas em algum barzinho, uma boa história nasce ou se completa e muitas histórias enriquecem o conteúdo jornalístico.
A cada dia também muitos cursos de graduação e especialização lançam profissionais cada vez mais preparados para enfrentar essa nova tecnologia. Com o tempo, esses mesmos profissionais apuram suas produções pelo olfato em que essa atuação chamada romântica - a apuração de fatos nas esquinas e andanças - conseguem reunir características que façam desse profissional um gate de emissão de informações filtradas para a sociedade.
Ter uma imprensa favorável à sociedade depende de circunstâncias que se abrem para que jornalistas utilizem seus conhecimentos sempre em prol do exercício profissional, visto ser uma ciência da prática. Trabalhar com a escrita tem a prioridade do estudo e da experimentação e, com toda essa dinamicidade, muitas teorias do jornalismo se encaixam pelos estudos do que já foi produzido. Outras vezes, nada ainda foi conceituado e é preciso estudar para entender essa nova pratica diante das teorias existentes. O que está sendo inovador deve ser entendido teoricamente para ser aproveitado em outras ocasiões. É daí que novas teorias e conceitos nascem ou as existentes podem ser refutadas, modificadas, ampliadas ou confirmadas.
1.2.Da ética na prática teórica
Na prática jornalística, José Martinez Albertos afirma que a função da imprensa é a de manter a sociedade em estado de diálogo, para que todos os seus membros participem da vida em comum. Na prática dessa afirmação, muito profissional se esbarra nas fronteiras invisíveis da estrutura empresarial, convivendo com pesos e medidas diferenciadas, como por exemplo, a de outro jornalista que esteja no topo, com um alto salário na instituição e tenha maior liberdade de produção.
Diz Nelson Traquina sobre a teoria organizacional do jornalismo que a produção de notícias é influenciada pela repartição dos recursos da empresa jornalística. Isso inclusive, é um dos fatores para que o jornalista do topo salarial questione o próprio poder, ainda mais que, dentro da empresa, prestígio é muito relativo. Segundo afirma Jorge Cláudio Ribeiro, no livro Sempre Alerta, os profissionais são céticos porque hoje podem estar no auge, no outro dia e, sem culpa, podem estar no olho da rua, e com razões obscuras.
Seja pelas cobranças institucionais, seja na manutenção da individualidade, muito se discute a ética da profissão e, nas concepções deontológicas do cotidiano profissional, tudo é cobrado do outro e nem sempre é praticado pelo próprio. Saiu da linha uma vez, é um profissional taxado com características nem sempre condizentes com seu próprio caráter. Nem a vítima do possível deslize deontológico tem como parar e pensar sobre sua linha de atuação posto ter de correr atrás do que é notícia e, na necessária sobrevivência, é comum o duplo emprego, com um período a serviço de um órgão público, em assessoria de imprensa, outro em algum jornal eletrônico ou impresso.
Há um leva e traz adequado às exigências de mercado, nem sempre condizentes às teorias de jornalismo.
De qualquer forma, a ética profissional tem origem na individualidade, mas se consolida num processo solidário, segundo afirma Jorge Cláudio Ribeiro. A ética é do cidadão antes de tudo. Ser membro de grupos e ter de dialogar com esses e outros grupos faz com que tenha deveres, principalmente no acúmulo de informação para que entenda o que vai produzir.
1.3.Possível teoria
Mario Erbolato, em Deontologia da Comunicação, afirma que a imprensa pode influenciar a quase todas as pessoas que lêem as matérias, pois imaginam ou ficam sabendo o que os demais membros da sociedade fizeram ou vão fazer, ou simplesmente pensam, e tentam segui-las. Mas dentro do sistema social, os poucos que acompanham a imprensa sofrem muitas influências além do que consta em um meio de comunicação, e esses têm consciência de que nem sempre a mídia consegue impor livremente qualquer versão dos fatos porque depende do contexto extralingüístico. (ARBEX JR., 136)
Percebe-se, ao atuar na imprensa, a possibilidade de interferência no cotidiano do público pelas abordagens midiáticas, posto ser a imprensa produto da própria sociedade.
Nas especificações teóricas, consta o agenda setting não como um sistema de modificações sociais provocadas pela mídia, mas uma hipótese de instigação das conversas entre as pessoas conforme as notícias lançadas pela mídia.
De qualquer forma, dizer que os assuntos discutidos na sociedade provêm do que foi lançado na mídia é uma questão apenas provável, posto não haver como constatar se isso realmente acontece, nem que se faça uma intensa pesquisa de opinião pública. Mensurar o que se passa na cabeça de cada pessoa, ou ter obviedade nessa questão, esbarra-se nas variáveis e interferências existentes no meio social.
Nos estudos sobre a pratica que visam comprovar cientificamente a hipótese do agenda-setting, Barros Filho aponta as dificuldades de ordem epistemológica, porque não há harmonia na definição de prazos para a constatação dos efeitos da noticia no dia-a-dia sociedade. Até que se analise o que a sociedade discute como tema, se é proveniente do noticiado ou não, há um prazo muito curto que cerceia a fertilidade possível dos resultados.
Além do mais, há um fluxo contínuo entre fontes diversas que o jornalista consulta para tratar um assunto, e muitas pautas se originam nos sistemas e organizações existentes na sociedade, sendo que não é pelo fato que haja coincidência temática que, necessariamente, são os meios que agendam o público. Nada nos garante que não seja o contrário. (BARROS FILHO, 177/178).
Pode-se dizer que existem casos de os próprios meios de comunicação agendarem-se mutuamente. A exemplo do que acontece no eixo Rio-São Paulo, e Brasília. Do clima de violência que sofrem esses dois estados, a imprensa de outras regiões redistribui seus textos e matérias e ainda encontram casos de violência similar, ou interligada aos grupos criminosos existentes nesse eixo. Quando se trata da atuação política ligada à Brasília, é aceitável que se ecoe nos estados de origem do político certas notícias, mas as conversas de bastidores e escândalos são preferíveis em noticiários de grande e de pequeno porte. Evidentemente, parte da resposta à pergunta sobre quem agenda os meios se encontra nos próprios acontecimentos da realidade. Estes são a fonte primária de todo trabalho informativo (BARROS FILHO, 185).
Como um exemplo clássico da possibilidade do agendamento, Barros Filho, nos seus estudos sobre o agenda setting, diz que as referências constantes das temporadas eleitorais exemplificam casos em que as notícias provocam comentários e até conseguem modificar votos. Mais adiante, o autor aponta a definição do agenda-setting como algo de comprovação científica desconfortável e aponta tipos de agendas com uma definição precisa de uma prática visivelmente encontrada no universo da imprensa. Há a agenda individual e a interpessoal, a agenda da mídia, a agenda pública e a agenda institucional.
Vê-se que se refuta uma teoria lacrada ou condicionante, mas se percebem possibilidades que impulsionam estudos e esclarecimentos das muitas práticas do mercado jornalístico.
Diante disso, no que se refere a sua possibilidade, a pauta jornalística deve ser provocada de forma que os interesses sociais não sejam suprimidos pelo interesse institucional, mas conciliatório em que se deve lembrar de situações em somente o calendário pontua, ano após ano, e vai sendo esquecido na memória social. Se o Dia da Cultura no calendário brasileiro existe, o profissional aproveitar e incentivar uma vertente diferente da pauta do dia, expondo matérias de interesse cultural e outras que retratem o porquê dessa data.
Na intenção de unir o serviço de assessoria de imprensa em benefício da divulgação de uma agenda cultural da sociedade, o jornalismo tem como fazer a cobertura de exposições relativas a datas especificas ou às características do mês e da estação, observando melhor o que artistas e espaços culturais fazem ou lançam ao longo do ano, em suas atividades profissionais e funcionais.
Com essa possível agenda praticada nos mídia, muitas assessorias aproveitam para organizarem exposições culturais conforme épocas ou datas de interesse público.
Erbolato diz que “os matutinos, os vespertinos e as revistas dedicam seções para informar a respeito de cinema, rádio, televisão e livros. Os programas são comentados entre as pessoas. As novelas mudaram hábitos e alteraram a comunicação entre os membros de cada família” (p.25)
O efeito é a provocação da mídia local para que pauteiros e jornalistas de plantão utilizem o material pelo interesse da época, período ou data especial, resultando em uma cobertura jornalística no local do acontecimento ou a publicação do relise transmitido por uma assessoria de comunicação.
2.Reflexão
Apesar de existirem sistemas, temas e muitas formas de fazer um jornalismo diferente, acontece, ultimamente, que estão as mesmas fotos e temas favorecendo apenas a manutenção da mídia e não a sua evolução. As alterações mercadológicas empregam, mas por não ser a imprensa artigo de primeira necessidade, há a constante perda de público mantenedor.
A imprensa convive com um contexto de contradições em que tudo cai na vala comum. O inchaço urbano, produtor da favelização e de outras conseqüências estruturais. Invasão de lotes, moradias em cima de veios d’água, esgotos e lixões, saneamento básico inexistente, e no final de toda essa cadeia de irregularidades, a falta do registro de endereço que solidifica a legalização urbana e todos os benefícios que o Estado deve atender.
O jornalista, originário dessa miscelânea, sofre menos ao entender as possibilidades de como fazer jornalismo e não se prender a essas possibilidades. Entender para visualizar o contexto do caos, sem a destruição citada na teoria do Efeito Borboleta (ou Teoria do caos), mas mover-se na direção da harmonia, seja no meio profissional ou, por conseqüência, na melhoria social.
Referências
ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo, Paz e Terra, 2º edição, 2002.
ARBEX JR., José. Showrnalismo: A Notícia Como Espetáculo. 2ª Edição, Casa Amarela, São Paulo, 2002.
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da Informação ao Receptor. São Paulo, Moderna, 1995.
CANCLINI, Nestor García. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro, Editora Ufrj, 6º edição, 2006.
COELHO e CASTRO, Cláudio Novaes e Valdir José de (orgs.). Comunicação e Sociedade do Espetáculo. São Paulo, Paulus, 2006.
ERBOLATO, Mário. Deontologia da Comunicação Social. Vozes, Petrópolis, 1982.
LOPES, Luiz Carlos. O Culto às Mídias: interpretação, cultura e contratos. São Carlos, EdUFSCar, 2004.
MATTELLART, Armand e Michele. História das teorias da Comunicação. Edições Loyola, São Paulo, 1999.
MORIN, Edgar. Para Sair do Século XX. Rio de janeiro, Nova Fronteira, 1986.
RIBEIRO, Jorge Cláudio. Sempre Alerta. São Paulo, Brasiliense, 1994.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as Notícias São Como São. Florianópolis, Insular, 2ª edição, 2005.
*Artigo de Teoria do Jornalismo, para Jorge Ijuim, pós-graduação Teorias e Práticas de Jornalismo Contemporâneo, Abril/2006.
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